Esse espantoso texto da mineira Guiomar de Grammont (foto) deveria estar, pelo menos, na contracapa dos cadernos escolares. Sobre a autora: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/guiomar_vida.html
Leia:
A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram, meteu- se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais? Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um. Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.
In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de
Janeiro: Argus, 1999. pp.71-3.
Veja, tb: DOGVILLE, PAULA x TAIS, É MUITA ONDA, A QUESTÃO DA MENTALIDADE E OS TRÊS ESPÍRITOS, PT GO HOME
Achei o texto maravilhoso, normalmente as pessoas com alto poder de indignação e que não se contentam com pouco, inteligentes e com personalidade, quando leitores assíduos se tornam cidadãos críticos, o que parecia um perigo apenas para a ditadura, para a igreja, para o poder de forma geral, nos dias atuais acho que o nosso governo (que tanto combateu aquele sistema) talvés se incomode com os excessos de leitura (é o poder que pode ser corrompido…). Antigamente apenas os livros eram “péssima influência, agora todos os meios de comunicação o são, haja vista, a preocupação dos detentores dos meios de comunicação de manterem a censura (me refiro aqui especificamente a lamentável postura do NOSSO sindicato).
Como mãe que sou (e fui muito nova, com 21 anos), criei a minha “cria” entre uma leitura e outra, sempre com um livro na mão ou na bolsa. Desenvolvi um método que alguns podem usá-lo (pq ngm nasce gostando de ler…), nas datas importantes, aniversário, natal etc. (observe as datas que a criança acha mais importante), prefira dar um livro a um brinquedo, deixe o brinquedo para as datas sem maior importância, pq o livro passa a ser a referência ligada aos momentos importante da vida da criança (ora, não usamos nossas melhores roupas nos dias festivos), faça uma boa dedicatória lembrando sempre quando foi dado e estimule a leitura (na dedicatória), procure ler o livro antes e busque discutir para ver o nível de compreensão da criança e faça também os comentários que achar necessário, como época em que foi escrito (relacione ao momento histórico), a detalhes da vida do autor ou autora .
Hoje sou vítima de minha “armadilha”, a minha filha sempre me dá livros de presente e eu para facilitar nosso método, mantenho sempre uma lista facilmente encontrada arquivada no meu computador. rsrsrs
Mais uma dica, faça sempre uma lista e deixe para comprar pela internet (uso sempre os sites fnac, saraiva e submarino, além dos sebos), os livros são mais baratos e as promoções acontecem com frequência , compre 3 e leve 4, por exemplo ou descontos progressivos. E para os amigos que normalmente lêm muito, dê o vale livro, ele mesmo escolhe e vc não paga o mico de dar um livro que já tenha sido lido.
Uma frase de Cícero, orador romano diz: “Uma casa sem livros é um corpo sem alma”
Obrigada pelo possibilidade de contato com um texto tão belo!
Grace Bulcão
Oi Luiz, bom dia. Desejo cumprimentar a autora do comentário anterior (Grace) pelo exemplo de como incentivar a leitura. Guiomar de Grammon , expressiva em demonstrar o quanto a leitura faz falta ao povo brasileiro. Fraternal abraço amigo Luiz.