Toda figura humana é um depósito da terra onde vive ou viveu. Os costumes solidificados formam os seus ossos; braços e pernas movem-se por tradição; cada olho vê o que a sua visão de mundo permite; pele é camada de História; e cada estrutura é desejo e aspiração. Um perigo!
Segundo o pensador e teólogo brasileiro Leonardo Boff, autor de A ÁGUIA E A GALINHA (Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 37ª edição, 1997), todos têm um pouco das duas aves dentro de si. E ambas, segundo o autor, são necessárias. Qual das duas asas você bate mais? A da Águia ou da Galinha?
Presa ao chão, a ave mais comida do mundo passa a vida ciscando e bicando no terreiro da ordinariedade. Vive para o correr da História. Não vê um palmo além do bico e, se tudo lhe é caseiro e repetitivo, é porque é esta a genética da sua alma poedeira. Caipira ou não, o seu nível de responsabilidade, autonomia e escolha (alma da Ética) é quase zero. O seu palco é de pouca luz e o seu canto, uma pequena ode à vida como ela é. Apesar de alado, o seu corpo é de pouca imaginação. O seu vôo é curto. É ato.
Mesmo quando cravados no chão que os alimenta, os olhos da águia vivem nas alturas. Dado o seu interesse pelo cume das montanhas, pode-se até dizer que esse par de asas vive mesmo para ele. Nada lhe repugna mais do que o que o apequena. E nada o apequena mais do que a vida no chão (como ela é). Pairando sobre os morros, a sua vida é o infinito. Até o seu momento de amor pertence à idealidade. É atitude. Diz o autor:
“… Assim ficam, ora voando à maneira de bicicleta, ora para a frente, ora para os lados, ora deixando-se cair embevecidos pela paixão, até quase tocarem o solo. Só então se separam e voam em forma de guirlanda, ascendendo para um novo abraço de garras e de volutas no espaço…”
Tendo a altura dentro de si – como bem frisou o teólogo– essa ave é quase uma reprodução do seu heterônimo Nietzsche:
“…somente depois de teres deixado a cidade, verás a que altura suas torres se elevam acima das casas…”
O nome mais comum de galinha é Moral. E o de águia, Ética. Qual das duas asas você bate mais?
Ps: Como O SHOW-LULA, este também foi um texto evitado pelo Sindjufe-ba (veja o blog, APAGÃO MORAL…)